domingo, 15 de dezembro de 2013

Quem é essa?

De longe te vejo, mas será que a essa distância vejo você ou vejo a mim mesmo? A luz humana se mistura a luz de Deus e reflete na porta de vidro até suas costas. De dentro da livraria te vejo na porta com essa luz difusa, dividida, refletindo diferentes cores na sua pele.
Tenho a impressão de minha visão ficar turva e em uma leve alucinação ver duas asas saírem das suas costas, uma branca e uma negra. Essa bate agitada, viril, enquanto a outra suave e delicada. Impossível voar assim.
Limpo meus olhos e volto a ver o brilho difuso refletido não mais na porta, mas no seu próprio ser. Quem é essa? É você? Ouço sua risada agradável que me diz "não é nada disso" ou seria "não sou nada disso"?
Pisco, pisco e novamente pisco, tentando entender o que se passa. Você passou.

Mais um verão

Mais um verão chega chuvoso, mais uma paixão se segura ao meu coração com garras afiadas. Oh pássaro medroso, não percebes que o machuca? Esse calor e essa água se completam como essa dor e paixão fazem parte da mesma mandala viva. O inverno seco de julho foi reflexivo e solitário. Quanto frio não senti, mesmo fechado em meu quarto! Agora, nessa chuva abafada, relembro aqueles dias. Será minha vida um circulo fechado? Uma tragédia submissa ao destino, onde até as estações são elementos dramáticos?
A primavera anuncia seu fim e o verão já se mostrou no suor do meu rosto, mas aqui dentro só sinto aquele frio seco do ano passado. Inverno assassino da minha planta, que eu punha todas as manhãs na janela.
Lendo você si descobrindo
Descubro a mim
Lá fora, indo

sábado, 23 de novembro de 2013

Sentado

À espera de minha salvadora passo os dias sentado. Sentado nos mais diversos lugares, bancos, cadeiras, carteiras, sofás, poltronas e até meio-fios, escadas e muros. Sempre que posso sento e espero, afinal por que esperar em pé? Porém, ultimamente, essa espera tem me trazido uma dor nas costas (pra ser específico, na lombar). Pois é, bem uma dorzinha de velho mesmo. Mas a verdade é essa, eu sou um velho de ainda vinte e poucos anos. Esperar e ter paciência são coisas de velhos, os jovens não são assim, são efusivos, de ritmos alucinados, sempre com pressa. Só que o meu problema não é esperar, admito meu espírito idoso paciente. Meu problema é outro, meu problema é o que estou a esperar. Uma salvadora eu disse antes, mas quem espera uma salvadora? Suponho que alguém em perigo, certo? Mas que tipo de perigo? Respondo sem pudor, somente a você meu gentil leitor, que o perigo é de domínio do coração. Para ser novamente específico tenho que dizer que o perigo não é só do domínio do coração, mas também de total domínio do coração. De um coração tirano, dominador de todo meu ser. Aí está o perigo da qual espero sentado uma salvadora. Agora percebe o problema, não?

Promessa falsa

Quando você me olhou, por um instante arrepiei
Quando me tocou, invadiu minha mente um pensamento dominador
Quando se entregou no quarto escuro, apaguei as luzes da minha guarda
E quando finalmente me beijou, pela sua língua recebi uma promessa

Assinei o contrato sem perceber que ele estava vazio
E a dor desse mal entendido virou minha companhia na rotina solitária
Sei que essa paixão vai evaporar no calor desse dezembro,
Mas e então o que me sobra?

Sou uma frágil vítima presa no olhar da eterna sereia metamórfica
Essa sereia cada vez tem um nome, cada vez tem um rosto

escritos de guardanapos

Hoje ela me disse "você tem bom gosto", mas será? Bom gosto tem quem toca aquilo que gosto de ouvir, é diferente. Mas de qualquer jeito eu gostei dela ter comentado isso. De certa forma eu só queria puxar um assunto quando perguntei se ela queria escolher uma música. Gosto quando ela fica um tempo perto da minha área.


Ela não queria pegar chuva e era claro que, escuro do jeito que estava àquela hora do dia, que ia chover. Tive que resolver esse problema. Com esforço segurei o máximo que pude a chuva, mas vi que não ia adiantar. Foi por isso que mudei de estratégia, soltei a chuva toda de uma vez e depois torci pra acabar antes dela ir embora. Não gosto de me gabar, mas deu certo. Salvei o dia dela e meu. Ela seca e aliviada por não se molhar e eu feliz por ser seu salvador.


São três aqui onde trabalho, duas flores e um sol. O sol, como vocês já sabem, é o sol e não há nada na Terra comparável a ele. Já as flores se pode comparar, tanto entre si como com outras coisas, mas é perda de tempo. Cada uma delas tem sua beleza, seu charme, seu perfume. Gosto das três sem precisar compará-las, mas só o sol tem luz própria, só o sol é necessário. O resto, por mais que eu goste, não tem o poder de dar e tirar a minha vida.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Bruma

Névoa densa amanhece na deserta lagoa da Pampulha. O sol ainda tímido não tem forças para rompê-la.
Na margem ela já deu início a sua corrida matinal. Enquanto corre, o vento úmido toca seu cabelo moreno, formando ondas de ressaca. São chicotes delicados regendo silenciosa sinfonia.
A orquestra é formada: de sua pele parda, maculada por pincel metálico, melhor quadro que Miró nunca teve; de seu corpo argiloso, moldado a cada passo por mãos de artesão divino; e de doce olhar impenetrável.
Seu rito solitário continua como dança sedutora. A neblina prevalece. Bruma e Bruna são uma só. Incerta e misteriosa sombra do dia.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Inusitado inevitável

Fim de tarde, saíamos do café depois de uma tarde de trabalho. Fumar era a desculpa. Os olhares se cruzavam confusos, como se todos fossem vesgos. A indecisão do que fazer dividiu o grupo. Alguns queriam beber destilado outros fermentado. No fundo todos queriam o mesmo, mas no fundo mais fundo todos queriam esse mesmo de modo diferente.

A noite veio e quem me importava mais ficou. Gostei disso. Fumamos e bebemos. Também gostei disso. Porém algo estava fora do eixo. O presente parecia distante. Um encontro marcado para mais tarde me preocupava. Não queria ir. Queria ficar, mas não tinha coragem de desmarcar. A bebida subiu junto com a fumaça e acompanhando levantamos para ir para outro lugar. Ainda havia tempo para o encontro, mas sabia que a cada instante ele ia ficando mais longe. O tempo se aproximava, mas eu escolhi me afastar. Decidimos ir da savassi para o centro. Relutei, mas fui. Sem ir muito longe uma ligação resolveu meu conflito. Desmarco o encontro, ou melhor, o encontro é desmarcado. Me sinto mais leve, meus passos fluem.

Sinto a mão dela esbarrar na minha às vezes. Penso que alguém que sabe dançar tem consciência do seu corpo e sabe bem que mão não esbarra na dos outros sem querer. Penso que posso estar enganado. Penso que penso demais. Continuamos andando, mas não lembro de muita coisa. Lembro da mão dela esbarrar na minha. Disso eu lembro bem. Chegamos no maleta, mas logo seguimos para o viaduto Sta. Tereza. Lá fumamos mais e bebemos mais. Foi bom. Senti boas vibrações. A musica era estranha, mas combinava com o nosso momento. De repente acabou, ficou tarde, e não sei porque decidimos voltar pro maleta. Dessa vez com menos dois no grupo (que era de cinco).

Subimos para a varanda e bebemos cerveja no chão. A minha mão tocou seu pé. A minha mão tocou seu calcanhar. O Túlio foi pegar mais cerveja. A minha mão tocou o chão, mas meus lábios encontraram os dela. Nesse momento vieram tantas palavras na minha cabeça que parecia uma represa rompida deixando todo o fluxo de água passar de uma só vez. Eram tantas as palavras que elas iam se juntando antes mesmo de sair. Juntando, juntando, juntando, mas de um tanto que não conseguiam nem sair, pelo menos não como palavra. Foi acumulando tanta palavra e pensamento que o êxtase virou um bolo. O bolo eu parti um pedaço e dividi com ela, mas o resto deixei bem guardado no coração.

Eu não esperava. Ela é muito pra esse tão pouco que sou. Ou se não sou tão pouco, ela é muito mesmo assim. Mas mesmo assim, mesmo ela sendo muito e eu sendo tão pouco (nem tão pouco assim) eu me fiz de bobo e joguei meu blefe. O que ganhei por enquanto foi o êxtase, o que ficou foi o jogo, ainda começando.

Prato do dia

Quando fui abraçá-la meu ombro bateu no seu queixo
Que burro que sou! Como sou tonto,
Agora aposto que ela não me quer mais.
Até parece que um dia ela me quis também..

No máximo o que ela sentia por mim era uma curiosidade gustativa.
Agora que ela sabe meu gosto não tem mais graça.
Eu sou só um prato novo que ela apreciou por dois dias
(é que ela ia esquecendo a sobremesa).
Ainda estou no cardápio, mas ela não vai me pedir mais,
Há muitos outros pra experimentar.
Talvez um dia ela até encontre seu prato favorito
E passe a pedir só ele,
Mas eu e ela sabemos que não serei eu.

Pra ser sincero eu até tentei mudar o tempero e
um ou outro ingrediente, mas nada disso adiantou.
A aparência mudou, mas o gosto ficou o mesmo.
Talvez eu devesse mudar é de gosto.
Só que aí eu não seria o mesmo prato,
logo eu também teria que mudar o nome.
Não quero mudar de nome, eu gosto dele,
ele diz quem eu sou
O problema é que quem eu sou ela não gosta
E eu gosto dela
É difícil essa vida de prato!

Ah! quer saber? (eu sei que não, mas finge que quer..)
Eu não quero mais ser prato! Quero é ser pessoa mesmo.
E ela que tente me provar de novo, não vai conseguir
Porque, a partir desse momento, não sou mais prato,
sou pessoa!
Vixi, mas tem um problema,
As pessoas batem seus ombros nos queixos de outras pessoas...
Saco!


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Louise, mais conhecida como Lou, entrava na casa de jardim colonial, palmeiras altas, fontes secas, grandiosidade meticulosamente desnecessária. O porteiro já mostra o papel, ela assina. Passa por um jardim interno, coberto de estátuas mortas. Chega numa encruzilhada que leva para o mesmo lugar. Escolhe com dificuldade um caminho. Chega ao pátio sem nome, está vazio. Percebe as folhas no chão e sente um nó no peito que a faz parar. Avista alguém e vai a seu encontro.
"Você é a doutora?"
"Sou sim, aonde eles estão?"
"Vem cá"
Lou o segue até o auditório. O senhor de uniforme azul com uma vassoura de folha de bananeira a deixa. Ela abre a porta de ferro antiga e seu ruído anuncia sua chegada. A aula é interrompida. Um senhor de roupa serena a frente de uma auditório miseravelmente preenchido se levanta e a chama pelo nome. Ela caminha sem jeito ainda tentando se situar naquele local obscuro. O professor a indica a cadeira ao lado dele. Ela se senta e ele logo pergunta, já sabendo a resposta:
"Doutora, você acha que existe cura para aqueles que moram aqui?"
"Não os conheço, professor. Por isso não saberia dizer com certeza, mas acredito que sim"
Uma gargalhada espontânea ecoa no grande salão. O professor, mal se contendo, tenta continuar sua exibição:
"Então quer dizer que você é datada desse mágico dom?"
Louise, ofendida e cansada, se levanta e anda de volta para a saída. Antes de alcançar a porta escuta, sem saber de onde vem, ecos que dizem:
"Lou cura".

como saber?

Se mentes sobre tudo, como saber?
Sementes férteis deixam de brotar
Sêmen te escorre sobre seu rosto (no entardecer)
Sem ente nos resta ser e sonhar

domingo, 29 de setembro de 2013

contrário de bárbaro

Sem barba, sem força, confuso e perdido num mar sem correntes e sem vento.
A força do homem está nos símbolos que os envolvem,
O meu estava na barba.
Agora aonde esta?
Dalila me seduziu e me castrou,
Sua vulva devorou meu ser.
Meu desejo foi pro lixo junto com os meu pelos.
Eles hão de crescer.
Eles hão de voltar.
A fraqueza parece acumular na ociosidade.
Mas aonde e para que encontrarei forças?
Qual o caminho que irei seguir além do belo penhasco?
Vejo uma fronteira à frente ou estaria atrás?
A cruzo ou não? Tenho medo, muito medo.
O que será que há depois dela?
Me mantenho parado, mas a linha divisória me cerca.
Me encontro entre o desfiladeiro e a fronteira
Cada passo agora é decisivo.
Continuo parado.
O tempo ao passar me deixa numa posição de desespero.
A decisão virá à força.
Sem coragem para cruzar a linha só me resta o buraco.
Buraco
Buraco
Escuridão

Vazio.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

bicho misterioso

Sinto um bicho no meu cabelo
Me incomoda, me faz arrepiar
Sinto um bicho no meu cabelo
O procuro, mas não consigo achar

Me bagunço e me despenteio 
Com delicadeza para disfarçar
Em cima, em baixo, no meio
Aonde é que ele está?

Coço a cabeça confuso
E me ponho a pensar
Então descubro o abuso
Dentro da mim ele foi morar

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Curvas

As curvas são seu passaporte
Compõem sua beleza e seu porte
Começo por seus lindos seios amigo
e descendo vou da barriga ao umbigo

Cintura, coxa e joelho
Ombro, queixo e cotuvelo
Curvas no corpo inteiro
Menos no liso cabelo

Dorme e tem sonho turvo
Enquanto ônibus viaja
Por seu caminho curvo

Mulher cheia nas curvas desperta
Mas a clara realidade incomoda
Então volta a dormir em outra reta


domingo, 21 de julho de 2013

Violeta


A vinda de Violeta fez da vida sem violão uma violação


Dívidas


Diva duvida que suas duas dívidas foram divididas dado a dádiva divina


Ontário

Sou um autoritário otário que nem sequer vive em Ontário


sábado, 13 de julho de 2013

sem sexo


"You should be women, and yet your beards forbid me to interptret that you are so." (Macbeth)


sexo sem vida, sem calor, sem emoção
sem grandeza, sem sêmen, sem compaixão

sexo pra ninguém, pra mim, pra você
sexo compartido, dividido, sexo e tevê

sexo escuro, escondido e estranho
sexo absurdo, sujo, sexo e banho

sexo escravo, sexo feminino
escravo do sexo, sexo masculino

sexo sem nexo. nexo sem sexo.
sexo sem sexo. nexo sem nexo.


sexta-feira, 12 de julho de 2013

vogais

varal     varanda     vão

  vento     vendaval     vem

 vidro     vítima     vi

    volto     vomito     voo

vulgo     vulcão     vul

pai praça palco

brava barba branca
babaca baixo brando

bando brancos babam
babá barbie banco

banda baixo brando
banca bar bravo

sábado, 6 de julho de 2013

Ânsia de viver

afora risos e
minha voz calada
mata silêncio
da madrugada

cinzeiro vira lua
cheia de bituca apagada
fumo sereno úmido
tusso raiva guardada

sem ar respiro
lembrança marcada
no peito doído
de vida passada

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Ao te ver

se me escondo é pra parecer
que justo me afrouxo
ao te ver

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Tac tac tac...

Da cozinha ouço o tac tac da máquina de lavar roupa começar. A tremedeira nervosa me distrai enquanto tomo chá. Tac tac. Meus pensamentos são contagiados pela excitação da lavadora. Tac tac tac...

Vou para a área de serviço. Admiro a estética do objeto e ponho a mão sobre ele. Sinto sua força. Tac tac. Estou hipnotizado por seu ritmo constante e então sinto mãos avulsas sobre meus ombros. É ela, não preciso me virar para saber. Seus braços me envolvem e fecho os olhos. Tac tac tac...

Finalmente me viro, ainda de olhos fechados, e lhe dou um beijo de língua. Ela sente minha intensidade. Coloco-a em cima da lavadora e puxo sua lycra colada de uma vez. Tac tac. Sua respiração ofegante e seus gemidos competem com o barulho repetitivo e mecânico do eletrodoméstico. Subo em uma caixa qualquer e nossas cinturas se tocam. Tac tac tac...

A roupa na máquina gira sem parar. Beijo seu pescoço de seda enquanto tiro sua calcinha de renda. Penetro seu sexo veludo! Tac tac. Agora deixo a máquina trabalhar. Arrasto minhas mãos pelo seu corpo como se subisse um ziper. Começo por suas pernas moletom e vou pela sua barriga algodão até seus seios de cetim. Tac tac tac. Sinto na minha pele brim sua língua de lã molhada. Overdose sensitiva. Tac tac...


Seus mamilos tremem junto com seus gritos cortantes quando a máquina acelera. Tac tac tac. O ritmo agora é alucinante. A roupa a qualquer momento vai estar pronta. Não posso arriscar esperar mais. Ela força o abdômen e morde os lábios segurando o último suspiro. Ao agarrar com força seu bumbum derrubo o amaciante. Tac!! Tac tac.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

a mor cego

   Na escuridão desse calabouço solitário, repousando contra a gravidade, reflito sobre minha pena. Estou condenado por fazer as mulheres me amarem. Crio personagens de contos de fadas, misteriosos, sedutores e elas preenchem as lacunas com a ilusão ingênua de um final feliz. Jogo o jogo do silêncio e faço promessas invisíveis para depois justificar minhas faltas e meus rompimentos dizendo que na verdade nunca existiram esses vínculos. Sugo o amor de outros com meus dentes afiados de mentiras e assim dor e prazer viram um só.

   Transformo-me em vampiro quando seus olhos aparecem pela pequena abertura da porta de ferro. Os encaro, mas não tenho reflexo no espelho do seu ser. Há um tempo você entrou no meu castelo sombrio para ser mais uma vítima, mas algo aconteceu. Sentimos algo místico e de vítima você passou a réu.  Juntos fomos até a torre mais alta e ali esquecemos do frio com o calor dos nossos corpos, até você me abandonar. Agora estou trancafiado nos seus olhos correntes, nos seus lábios grades, no seu corpo cárcere. Sou um morto-vivo bebendo e me afogando na sua saliva cuspida.

   Encontro-me novamente sozinho, como sempre. Vôo até onde o teto permite, canso e volto. Prefiro dormir e voar até o limite da minha imaginação. Tenho um sonho que estou perdido em uma floresta escura, voando chego em um lago iluminado pela lua cheia. Aí encontro com meu reflexo turvo na água. Sinto que há algo embaixo, mas não sei o que é. Acordo e me dou conta que encerrado em mim mesmo estou preso muito mais nas minhas contradições do que em você. Como você pode ser minha liberdade e minha prisão? E onde estão as chaves para sair?  Volto a dormir sem resposta.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Acabou

Quero que vire fumaça, suma
E desvaneça no frio que deixou!
Sabe, não era só mais uma,
mas meu coração (por um fio)
                           [não suportou

Não quero mais ouvir seu nome,
Nem muito menos olhar seu rosto
Prefiro mil vezes passar fome
Do que sentir de novo seu gosto

Me deixe em paz e desapareça,
Sua presença só me trouxe complicação!
Estava bem sem você, não se esqueça,
Você me enganou com doce ilusão

No céu tinha amor e carinho,
De ave bonita e sincera
Então você voltou redemoinho
E afogou toda minha espera

domingo, 5 de maio de 2013

Passarinho

Passarinho pousou no meu coração,
Fez ninho e voou na imensidão

Voltou para seu castelo voador
De paredes altas e tesouro tentador

Pena do céu caiu ao chão
Para descobrir sua direção

Gelo sublimei até vapor virar
Indo aos ares para lhe buscar

Procurei os mais belos sonhos,
Mas só encontrei medonhos

Sozinho me pus a chorar
Perdido nesse estranho lar

Virei chuva e fui ao chão
Em estrondo de trovão

Egoísmo me conduziu
Nesse jogo juvenil

Quis conquistar pelo prazer da conquista
Mas conquistado fui por mistério que o habita

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Sereia, Leoa e Pássaro

Verde pátria é sua esmeralda alma
Morena pele arrepia com boca de vento
E as ondas dos cabelo tragam com calma
Para o mar profundo do ambíguo sentimento

Amarelo sol de meio dia é a luz do seu olhar
Reflete espírito de leoa de imenso coração
Feroz devora a tristeza ao sair para caçar
Dançando selvagem no apertado da sedução

Pelo subsolo da cidade voa longe e silenciosa
No horizonte o poente é o beijo do céu com o mar
Que passa rápido em uma hora maravilhosa
De vermelho refletido no gelo de palavras sem lugar

domingo, 31 de março de 2013

Diferente de zero


Se o amor pudesse expressar-se matematicamente não teria os sinais de soma nem de subtração, é demasiado simples. Teria mais sinais de multiplicação e divisão, porque para o amor tudo é muito ou pouco. Assim para os mais idiotas românticos, como eu, seria ainda pior, pois teria apenas sinais de potência e razão. Desse modo o número sete viraria quarenta e nove com um beijo roubado, ou então, o oitenta e um viraria nove após receber uma notícia inesperada.

Os números dessa equação pouco importariam, já que as relações amorosas variam muito. Porém antes esses números, grandes ou pequenos, fossem tão exatos como no exemplo citado. Na verdade seu resultado tão pouco faria parte dos números racionais. Poder-se-ia dizer que normalmente fazem parte dos números reais, mas às vezes também dos imaginários. Caso um matemático abusado resolvesse fazer essa conta não se atreveria a arredondá-la, pois sempre o resultado tenderia ao infinito, sendo ou negativo ou positivo.

No final, se o amor que sinto agora pudesse se expressar matematicamente, seria a maldita raiz quadrada de um número fracionado que resultaria em algo menor que um. Porém, por mais zeros que levaria depois da vírgula ainda assim seria diferente de zero. 

sábado, 23 de março de 2013

Contos de Santiago

Cão
Faz frio nas ruas de Santiago, nesta manhã nebulosa. Apenas ouço os passos rápidos de pessoas indo para o trabalho. Passam por mim com rostos cansados e vazios, quase ainda imersos nos seus sonhos noturnos.

Alguns desviam de mim, pois não sigo o fluxo. Ando sem rumo, sem me distanciar de onde despertei, procuro sol e carinho. A comida a muito esqueci. Quando os dias passaram a fome se transformou em uma companheira de quarto, da qual não tive escolha. Por fim acabei por me acostumar com ela.

Vejo, em algum lugar qualquer, meu reflexo. Esse corpo não parece meu, pele e osso mostram um ser fraco. Encontro meu rosto e lembro-me dos seus traços, agora quase apagados. Ah os olhos! Carregam força e esperança. Finalmente me reconheço, esse do outro lado da poça d’água sou eu. Cachorro abandonado.

Coração
Habituado com o escuro e a solidão me tornei caloroso e acolhedor. Dançar, ou melhor, seguir o ritmo da música, é algo de grande prazer para mim. Não saio muito do lugar, mas sou contente com meu trabalho tão importante.

De vez em quando, como agora ao me despertar, sinto uma raiva incontrolável e bato no peito machucando-o. Sinto-me deslocado, não quero mais morar aqui. Afinal onde moro?

As coisas começam a se acalmar, mas parece que tudo encolheu, me sinto apertado nessa casa. Agito-me ao sentir uma pontada e a dor piora. Quero sair daqui, correr para longe até cansar. Quero te encontrar de novo.

Você me bagunçou, sabia? Perdi meu ritmo ao seguir o seu e passou a ser impossível voltar a ser como antes. Suas batidas fortes na minha porta não me deixaram escolhas a não ser abri-la e receber seu calor e luz. Porém, você saiu e a porta permanece aberta. Penso em sair e te buscar, mas como se sou apenas um coração arritmado?







terça-feira, 19 de março de 2013

A sereia

 Os ventos finalmente estavam a meu favor. Estava avançando em direção à terra prometida, guiado pela bússola da precaução, até chegar ao Pacífico, onde icei as velas e baixei a guarda. A velocidade e o prazer do vento no rosto me distraíram  e, de fato, me tornei desatento à viagem (como todo marujo há de ficar) apenas aproveitando as novas brisas.

A sereia a espreita não perdeu tempo e passou a cantar mais alto, me seduzindo devagar com seu canto mais belo. Tomou, então, minha bússola e mexeu em meu leme. Assim, ignorando quem era o verdadeiro capitão, continuei minha viagem sem me preocupar com o destino.  

Naveguei dia após dia e lado a lado com a sereia de cabelos longos e ondulados. Finalmente senti seus lábios, que apesar de estarem gelados e salgados os senti doces e quentes.  Poseidon, por sua vez, poupou-nos de tempestades, mas agora em meu íntimo as desejava, pois somente elas poderiam me tirar desse estado hipnótico que me encontrava.

Ao sentir o balanço do barco por uma onda não muito grande despertei de meu sonho. “Agora não há volta” pensei. Encontrava-me em uma encosta de pedras e correntezas traiçoeiras que formavam um corredor medonho onde se viam barcos naufragados em ruínas.

É desse momento que continuo a história, me encontro a segundos antes de entrar nesse corredor sem volta. Recuo por um breve instante, me sinto incapaz de enfrentá-lo. Lembro-me de outros dias, de minha terra, de meus eternos amores. Puxo com força o ar úmido e frio e encho meus pulmões de vida. Agarro o leme com firmeza, agora somos um só, eu e o barco. A sereia assiste tudo de longe.





terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Navego


Navegando deparei-me com um passado esquecido. É estranho, não gosto de esquecer. Porém esse é diferente, é tão especial e único que dói. É incômodo como consigo deixar essas lembranças para trás, quase apagadas de tudo, como se não fizessem parte da minha história.

Sereia devastadora me trouxe apenas lembranças confusas e pesadas, difíceis de sustentar, mas impossíveis de abandonar. Agir, sentir, falar pareciam cálculos frios para lhe aquecer.  Ela me levou ao mar aberto, perigoso, onde não navego mais.

Minhas inspirações, coragens, anseios e sonhos, assim como meus medos, aflições, desilusões e receios vieram como uma onda surgida de sua presença. Quando percebi já estava na boca do redemoinho, seduzido pelo abismo do esquecimento de mim mesmo.

Sobrevivi a essa aventura e busquei terras novas em outros mares. Deixei o vento guiar as velas do meu coração. Atraquei e desbravei novas terras. Plantei e morei em algumas, mas sempre a saudade nostálgica seguida de um sentimento de incompletude me faziam prosseguir inconformado.

Até descobrir o que faltava descobrir. Terra donde vim e para onde vou, terra de mim mesmo. Terra abandonada ao me deixar levar pelas correntezas. Escolho, então, o regresso e para isso descanso as velas e forço o remo contra o fluxo.

Porém sinto um medo e ao mesmo tempo uma curiosidade encorajadora de conhecer suas florestas e mergulhar em seus lagos.  A sereia, por sua vez, não me deixa, fica a espreita seguindo minha trilha pelo fundo. Gosto de sua presença, mas tremo ao ouvir seu canto noturno de desilusão.

Deixa pesar

Menina Nina me nina no berço de ninar.
À noite sina é mais leve que o ar.

Porém ensina, só dormindo se pode acordar
Sem, acima do chão, sentir-se. Deixa pesar

Pedra da mina que faz coração pousar.
Vida contamina o sonho, mas é meu lugar.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Água pro chá


Não tenho Deus, mas tenho ela, mulher que espanta as mazelas.
Quem eu era, debaixo dos seus lençóis, se perdeu.
A água pro chá fervíamos na panela
Esquentava nosso tempo e fazia passar o frio meu e teu.

Frio gelado que vinha acompanhado da distância de nós mesmos,
Ou ao menos de mim mesmo.

Prazeres escorregadios desse mais longo relacionamento.
Nesses dez meses não pestanejava não fazia racionamento.
Esqueci da angústia e da solidão,
Mas que vinham mesmo assim, principalmente, em sessão.

Agora bebo o amargo por você ter pagado o pato.
E mesmo depois de tudo que passou você me olhou com amor
E meu alívio foi imediato.

Cansei de não merecer ser feliz, mas ser feliz exige tempo
Para saber separar a água do álcool e a culpa da dor.


Olhos puxados


Seus olhos me puxaram para fora de mim.
Corria para dentro, mas, com força, batia
Em uma parede de culpa que guardava um jardim.

Naquele dezesseis de março lutava contra um motim.
Logo me vi encurralado e indiferente me debatia.
Então apressado cai nos seus braços sem fim.

Achei que tinha ganhado essa luta dentro de mim,
Mas não se ganha da indiferença, que ali havia,
Sem sentir os espinhos das rosas desse inabitado jardim.

Você nisso tudo vivia inteira e intensamente ,
Lutava e ganhava muitas lutas internas,
Deixava a criança nascer e sair naturalmente,
Abrindo seus lindos olhos puxados para as cavernas .

Acreditando no mais simples e profundo do coração,
Que arritmado procurava uma dança.
Inusitada ela veio, no início como uma valsa mansa,
Mas depois como um funk se acabou até o chão.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Argumento: Satisfaction



Amanda está sozinha em um pub no centro de BH. O lugar é de um escuro avermelhado e está tocando "Satisfaction" dos Rollings Stones. Ela é uma jovem loira de 29 com roupas chamativas e um olhar sedutor, mas um pouco caído, talvez por causa da bebida. Tem o corpo de uma prostituta, ou seja, o suficientemente em forma. Ela fará o possível para sair acompanhada com algum homem bonito de papo razoável. Porém se não conseguir irá escolher qualquer um, e isso ela tem certeza que conseguirá.


Amanda é mãe solteira e tem duas crianças em casa, um casal. Pensa neles constantemente no tempo em que está no pub. Eles estão com a tia essa noite, mas algo a preocupa. Mais uma vez Amanda se pega pensando, dessa vez sobre o porquê dela estar ali naquele lugar. Todas as semanas ela sai sozinha e volta acompanhada é como uma distração para ela, algo que a faz sair da rotina. Porém ela está cansada disso, pois não consegue se satisfazer. Ao pensar nisso ela sente falta dos filhos.

Um homem bonito chega ao balcão e conversa com ela. Oferece uma bebida, uma vodka. Ela aceita, mas pensa que preferiria uma cerveja. Conversam a principio sobre a vida noturna daquela pouco movimentada quarta-feira e depois falam sobre musica, rock clássico basicamente. Ela da o segundo gole na vodka olhando para ele de baixo pra cima (ela está sentada e ele apoiado no balcão). Ela parece ter conseguido aquilo que queria. Porém após acabar a bebida se despede e sai do local sozinha.

Agora ela está descendo a Av. Augusto de Lima, que tem algum movimento e barulho de conversas vindo dos bares. O álcool já subiu e ela mal consegue manter o olho aberto e caminhar. As pessoas na rua reparam nela e percebem um olhar distante, mas não perdido. Ela finalmente chega no ponto de ônibus e pega o coletivo pra casa.Sentada perto do cobrador ela tira da bolsa uma foto com os dois filhos. FIM.