quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Cozinha vazia

Na face da pedra escura
fez-se ver a dureza do olhar,
a frieza dos lábios e
o peso da língua

Disse o apito do fogão
"são palavras vazando
prontas para explodir".

Sente-se da torneira quebrada,
a pele lisa e molhada
e os cabelos soltos pingando

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

emimesmado (4x)

manhã manhenta
manha minha
manhazinha (2x)

em mim mesmado
emmimmesmado
emimesmado (4x)

menina minha mãe
meninaminhamae
meninamainha
menininha (8x)

eu mim meu
eumimmeu
eumimeu
meumim
eu (16x)

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

papel, caneta e isqueiro

peço papel, caneta e isqueiro a um amigo
preciso queimar minha dor com palavras
você se foi, voou pra longe do meu abraço
arrancou ao decolar um pedaço meu

seu beijo na minha memória agora
derrete como gelo. frio e solitário
sou escravo do seu olhar, mas isso
não é nenhum martírio, é meu sentido

busquei seu olhar, esse que escraviza,
quando você passou pelo portão
de embarque. esperei paciente por ele
mesmo de longe, quando esperava na fila
para passar no raio-x. suspirei de esperança
quando o alarme tocou na sua vez e teve
que voltar para tirar suas botas de couro marrom
não me viu. não me vi. me esqueci

domingo, 11 de maio de 2014

Relembrar não é viver

Aonde foi parar as caixas de sapatos
Onde guardo minhas lembranças?
Amorosas, confusas, mal resolvidas.
Voltei de viagem e alguém tirou elas do lugar.

Desejos, antes de tudo, por atenção
Esfumaçam na memória de menino.
Na memória deslógica e sombria
Que morrem e renascem constatemente.

Ouvindo "A tempestade" num domingo especial
Lembrando da minha cidade das formas
e vazios. Sou quem deixo de ser..
Deixei Brasília, mas sou Brasília



terça-feira, 22 de abril de 2014

dois poemas duas pinturas uma pergunta

Saturn
By Sharon Olds

He lay on the couch night after night,
mouth open, the darkness of the room
filling his mouth, and no one knew
my father was eating his children. He seemed to
rest so quietly, vast body
inert on the sofa, big hand
fallen away from the glass.
What could be more passive than a man
passed out every night – and yet as he lay
on his back, snoring, our lives slowly
disappeared down the hole of his life.
My brother’s arm went in up to the shoulder
and he bit it off, and sucked at the wound
as one sucks at the sockets of lobster. He took
my brother’s head between his lips
and snapped it like a cherry off the stem. You would have seen
only a large, handsome man
heavily sleeping, unconscious. And yet
somewhere in his head his soil-colored eyes
were open, the circles of the whites glittering
as he crunched on the torso of his child between his jaws,
crushed the bones like the soft shells of crabs
and the delicacies of the genitals
rolled back along his tongue. In the nerves of his gums and
bowels he knew what he was doing and he could not
stop himself, like orgasm, his
boy’s feet crackling like two raw fish
between his teeth. This is what he wanted,
to take that life into his mouth
and show what a man could do – show his son
what a man’s life was.




de Pablo Neruda

Sucede que me canso de ser hombre.
Sucede que entro en las sastrerías y en los cines
marchito, impenetrable, como un cisne de fieltro
Navegando en un agua de origen y ceniza.
El olor de las peluquerías me hace llorar a gritos.
Sólo quiero un descanso de piedras o de lana,
sólo quiero no ver establecimientos ni jardines,
ni mercaderías, ni anteojos, ni ascensores.
Sucede que me canso de mis pies y mis uñas
y mi pelo y mi sombra.
Sucede que me canso de ser hombre.
Sin embargo sería delicioso
asustar a un notario con un lirio cortado
o dar muerte a una monja con un golpe de oreja.
Sería bello
ir por las calles con un cuchillo verde
y dando gritos hasta morir de frío
No quiero seguir siendo raíz en las tinieblas,
vacilante, extendido, tiritando de sueño,
hacia abajo, en las tapias mojadas de la tierra,
absorbiendo y pensando, comiendo cada día.
No quiero para mí tantas desgracias.
No quiero continuar de raíz y de tumba,
de subterráneo solo, de bodega con muertos
ateridos, muriéndome de pena.
Por eso el día lunes arde como el petróleo
cuando me ve llegar con mi cara de cárcel,
y aúlla en su transcurso como una rueda herida,
y da pasos de sangre caliente hacia la noche.
Y me empuja a ciertos rincones, a ciertas casas húmedas,
a hospitales donde los huesos salen por la ventana,
a ciertas zapaterías con olor a vinagre,
a calles espantosas como grietas.
Hay pájaros de color de azufre y horribles intestinos
colgando de las puertas de las casas que odio,
hay dentaduras olvidadas en una cafetera,
hay espejos
que debieran haber llorado de vergüenza y espanto,
hay paraguas en todas partes, y venenos, y ombligos.
Yo paseo con calma, con ojos, con zapatos,
con furia, con olvido,
paso, cruzo oficinas y tiendas de ortopedia,
y patios donde hay ropas colgadas de un alambre:
calzoncillos, toallas y camisas que lloran
lentas lágrimas sucias.










O que é ser homem?
Morro
No alto
Morro

Saudades
Trem passando
Interminável
Ciumento
Construo
Casamento

Prendo
No varal
Minha mulher

terça-feira, 15 de abril de 2014

Na trilha do rio seco

Subo por uma trilha onde passa um rio em tempos de chuva. Agora é só pedra e barro. Sigo em ritmo forte, sem pensar, sem sentir. Quero o topo e nada menos. Tenho uma pedra no coração ou seria meu coração uma pedra? O rio não vem, é seca. A paisagem do cerrado é feia e torta como eu. Subo e continuo a subir, sozinho, só com minha pedra. A pedra pede o chão, mas não quero deixá-la aqui. Ela pede com muita vontade "eu quero cair"! "Não deixo! Você vem comigo até o topo". Ela me machuca, me puxa pra baixo.

Por que não consigo deixá-la aqui"? Dói. É uma dor funda, diferente da dor dos cortes sobre a pele, que sangram. Essa é uma dor que esvazia, te deixa mais fraco, mas também mais leve. Com frio , mas também sereno. Aquele não, aquela dor da pedra me deixa pesado, entupido de não sei o que. O choro transborda dessa dor, mas é um choro que não esvazia, só transborda. A pedra lá no fundo dói a cada batida do coração, a cada passo.

O rio seco e meus olhos cheios. Vou subindo contra duas forças. Com que força eu anulo a da pedra? É a morte ou a vida que me faz subir? A morte é leve e a vida pesada, por isso o que me faz subir é a força da morte. Subo então até o topo (07061990 metros). Cheguei na nascente. A pedra cai do meu coração, afinal ele não é só pedra. A água da nascente aparece, a pedra desce e eu desço para buscá-la.

domingo, 23 de março de 2014

No deserto há mais vida que na cidade

Acordei como sequer tivesse dormido.
Abri os olhos num escuro visível e
meus pensamentos fluíram como em um sonho.

Em um sonho há uma força que não te deixa acordar,
assim como em meus pensamentos
houve uma força que não me deixou levantar da cama.

Ideias e pensamentos sem sentimento e sem ligação com a vida,
me puxaram pra baixo, me deixaram pesado.
Aonde estão as pessoas nesse domingo nublado?

Ouço carros, apitos, latidos, o vento,
os pássaros e meu celular vibrando.
Aonde estão as pessoas?
É meio-dia e me sinto meio-homem.
O carro passa
A onda vem
Cadê o mar?


Domingo nublado
O vento e os pássaros
Chamam a chuva


Árvores e prédios
Na mesma paisagem
Quem é mais alto?


Jardim do pilotis
Floresta planejada
No caos de concreto

Penso nela
Não entendo
O que passa


Não me procura
Não te procuro. Sós,
Mas juntos pelo orgulho


Me esquece
No fundo da gaveta
Mais importante
Banho gelado
Pra dar valor ao
Chá quente


Festejei sem merecer
Agora desperto vazio
E a ressaca me dá prazer


Se não trabalho
Dou trabalho
Parasita


Parado!
Se mexer
Machuca
Caí do barco
Em mar aberto
Solidão e medo



Nado
à procura do
Nada



Redemoinho
Cada vez mais
Afundo



sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Unha roída

Unha roída
A carne sangra
É carnaval


terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Viveria de colecionar elogios

Se não fosse tão difícil de arrancá-los
No meu perfeccionismo eu não os aguento,
Mas eles bastam pra me aquecer, qual um chá quente

Desculpa a quem enganei com mentiras poéticas
Não foi minha intenção cativar escondido
É difícil ser direto e claro, prefiro um enigma
Ironicamente também quero compreensão

No fundo sorrisos são suficientes
Já que o meu soa falso e confuso
Só consigo atuar pra fora,
Enquanto pra dentro derreto sozinho

Peço um pouco de calor humano
Mas em troca dou apenas gelo seco
Buscava em blogs uma alma amiga
Que talvez eu pudesse me identificar

Encontrei algumas, mas de que servem
Se só consigo chorar por quem não está?
E quem está, me afasto justamente por não chorar