Na vida procuro quem hei de ser
Até encontro amigos, festas e amores
Mas descubro, para me encontrar é preciso morrer
Não importa do que.. A vida não é só flores
A morte, a todos, há de vir
Mas se morrer, o fim, não for?
Ai de mim se ela descobrir
Que é por ela que morro de amor!
Quando mergulho em água gelada sinto meu corpo inteiro, sinto meu coração bater mais forte, meus pelos arrepiarem, meus membros tremerem. Quando mergulho no gelado eu sinto a vida, eu vivo. Mergulhar no gelado também é renovar, é afundar na dor, na culpa, no sofrimento e então sair animado, pulando, querendo sentir o calor.
domingo, 26 de fevereiro de 2012
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Questões sobre o poliamor
I
Manuela subia o elevador
segurando o choro, pronto pra sair. Tinha medo que alguém a visse naquele
estado. Ela não tem vergonha de chorar, mas quando as pessoas não entendem a situação
em que ela está, podem achar que ela é fraca e ela não quer isso. Abre a porta
e seu corpo se perde no espaço da casa, se sente sozinha e cai no chão. Foi uma
queda proposital, ela não aguenta mais fazer esforço pra nada, quer só
descansar e então acaba dormindo. Sonha com o vazio e acorda sentindo o gelado
do piso de madeira. Levanta e vai para o sofá da sala, começando a recordar o
que se passou.
Naquela chuvosa tarde vazia ela
se encontrou com ele, mas não valeu o dia como naquela musica do Ira. Ele
queria acabar aquilo que nem havia começado, queria manter a amizade, mas ela
sabia que isso não era possível. Davi e Manuela estavam se encontrando fazia
alguns poucos meses, mas não era nada sério, afinal, nenhum dos dois queria
esse tipo de relacionamento. Eles ficaram no pilotis do prédio, pois ele tinha
receio de não conseguir falar aquilo pelo qual veio. Não demorou muito para
começarem a falar sobre O assunto, Manuela havia percebido o tom de seriedade
na voz dele ao telefone e não quis perder tempo.
Davi falou sobre como as coisas
estavam meio estranhas entre eles, e que não se sentia mais confortável com a
situação na qual as coisas haviam chegado. Parecia haver uma pressão ou uma
espécie de compromisso invisível entre os dois que estavam deixando as coisas
meio forçadas. De certa forma Manuela entedia a situação, realmente via que as
coisas estavam um pouco mecânicas e quando eles se encontravam parecia que toda
a conversa eram apenas preliminares para o sexo. Não parecia haver outra
intenção, era só sexo. Ou será que não?
As conversas eram muito boas também, eles
filosofavam sobre muitas coisas principalmente sobre arquitetura, que era o
tema favorito de Davi. Assim, apesar do pouco tempo que se conheciam, eles tinham
discussões bem profundas, às vezes, até sobre o tipo de relação que estavam
tendo. Eram curiosos para entender se era possível esse tipo de relacionamento:
sem compromisso e quase sem afeto. Faziam-se perguntas do tipo: “Amor
verdadeiro existe?”, “Existe o amor único ou a monogamia?”, “Existe amor sem
ser afetivo?”. Eram perguntas estranhas, incomuns, porém não conseguiam deixar
de fazer-las, pois eram demais importantes para ambos. Davi parecia ser o que
mais conhecia do assunto, já havia lido e discutido sobre esses temas, sempre os
referindo a um tema mais amplo do qual costumava chamar de “Questões sobre o poliamor”.
Questões sobre o poliamor (II)
II
Manuela agora estava com o
computador ligado navegando por páginas das quais nem ela mesmo se lembraria.
Na verdade sua mente ainda navegava nos acontecimentos recentes com Davi.
Assim, como de súbito, ouviu o barulho de um ônibus passando na rua e lembrou-se
do seu primeiro encontro com ele.
Viram-se
pela primeira vez em um ônibus quando Manuela voltava da aula. O “busão” estava
cheio, era horário de pico. Manu entrara e mal conseguia se locomover, mas logo
viu que o fundo não estava tão cheio e foi tomada por uma sequência de
pensamentos: “Ah! Eu não entendo o porquê das pessoas não se espalharem melhor
nessa droga de ônibus lotado!”, “Pelo menos assim todos saíram ganhando!”,... “O
que ocorre é que as pessoas da frente não têm coragem, ou até mesmo vontade, de
se esforçarem para irem mais para trás onde há mais espaço”, “As pessoas que
estão mais próximas do fundo não tem a preocupação de chegarem mais para trás e
abrirem espaço para os mais apertados. Resumindo: não existe uma consciência
coletiva”,... “Somos um bando de alienados!”, ”Espera, eu não sou alienada! Eu
estou pensando sobre isso, eu posso fazer diferente!”,... “Puxa, mas como é difícil
quando você parece a única pessoa a se importar com isso”,... “Bom,
independente do quanto seja difícil eu preciso fazer alguma ou se não eu me
tornarei alienada mais cedo ou mais tarde!”, “Sem contar que é importante eu
tomar a iniciativa já que me incomodo com isso”.
Dessa forma Manuela que estava
com extrema dificuldades para se locomover pediu licença para passar a uma
pessoa ao lado, do qual recebeu a seguinte resposta: “ – Passar pra onde?”.
Porém o que, a princípio, seria uma resposta desanimadora fez com que Manuela
mesmo sem a passagem se esforçasse ao máximo para alcançar o tão desejado
espaço vazio no fundão. Nessa hora ela se sentiu muito bem consigo mesma, pois
havia conseguido algo do qual sabia era a coisa certa a se fazer, e que poderia
até servir de exemplo para os mais atentos.
Foi então que, como uma
recompensa divina pela sua atitude, a imagem de um menino sentado na ultima
fileira do ônibus interrompeu seu fluxo de pensamento. Era um jovem de
aparentemente a mesma idade que ela, que tinha uma beleza sem grandes
chamativos, mas algo no seu “estilo” chamava a atenção de Manuela. Usava uma
roupa de cores neutras com um jeito alternativo e charmoso, seu cabelo era de
um corte moderno que apenas era visto em jovens mais ligados com o mundo da
moda. Sua pele era de uma brancura pura, sem nenhuma miscigenação como era
comum nesse país e principalmente nesse ônibus. Era de se concluir (como o
próprio leitor já deve ter o feito) que esse jovem era de uma classe econômica
abastada, isso a princípio pode parecer a forma mais comum de preconceito,
porém é somente uma questão de constatação (pelo menos o é para esse que os
escreve). Também Manuela teve a impressão que se tratava de um jovem estudante,
provavelmente da Federal, que tinha um nível cultural elevado. Tudo isso a
atraiu e por alguns instantes prendeu sua atenção nesse jovem que estava com o
olhar perdido no movimento do coletivo*.
Nesse momento da viagem já haviam
chegado ao centro da cidade e, se não fosse pelo trânsito intenso, não faltaria
muito para Manuela chegar a sua casa. Em pé, voltando a se entreter com seus
pensamentos anarcoindividualistas, o coletivo foi começando a esvaziar e ela foi
indo para trás para ceder cada vez mais espaço aos passageiros apertados na
parte da frente. Quando se deu conta estava ao lado do jovem que a pouco estava
admirando. De repente ele a cutucou e perguntou se ela queria apoiar a mochila
no seu colo. Ela recuou por um milésimo de segundo, pois não via necessidade já
que sua mochila estava praticamente vazia, porém pensou melhor e aceitou a
oferta. Poucas vezes o acaso dera uma chance tão óbvia para ela iniciar uma
conversa, ela não podia perdê-la! Mas acabou perdendo, por um lado pela sua
timidez e por outro porque logo em seguida um homem no assento da frente se
levantou e fez questão de exercer seu cavalheirismo e oferecer seu lugar a ela.
Só a restou dar um doce olhar de agradecimento misturado com tristeza ao jovem
rapaz, pegar sua mochila de volta e sentar-se.
Agora o tempo estava contra ela, já estava a
menos de duas paradas do seu ponto, sendo que talvez ele descesse antes disso.
Com ar de derrotada ela tentou-se contentar com a idéia de que não havia
perdido nada, pois nada havia acontecido. Entretanto não conseguiu conter-se
com essa idéia e o seguinte pensamento lhe escapou: “A vida é estranha, pois em
um segundo posso acreditar que o acaso está me cedendo uma chance, porém no
segundo seguinte ele o tira, como se tudo não passasse de uma ‘ironia do
destino’”! Mal concluíra esse pensamento, ela leva um susto ao perceber um
celular na sua frente. Aos poucos percebeu que alguém o segurava e era alguém
atrás dela, percebeu então que era ele. Notou que havia algo escrito no celular,
seu coração disparou, era: “Qual o seu cel?”.
Manuela teve forças apenas para
pegar o celular e dar uma pequena olhada para trás com um sorriso meigo. Apagou
rapidamente o que estava escrito no celular e escreveu seu telefone seguido do
seu nome. Devolveu o ao seu dono e novamente tentou sorrir, mas dessa vez não
sabe ao certo se conseguiu. Estava bastante nervosa e envergonhada, mas tentava
manter uma pose de serenidade. O ônibus parou e ele desceu causando uma mistura
de alivio e confusão em Manuela, afinal o que havia acontecido? E quem era ele?
Ela desceu no próximo ponto e esperou pela ligação dele nos dias que se
passaram.
Assinar:
Postagens (Atom)