Fim de tarde, saíamos do café depois de uma tarde de trabalho. Fumar era a desculpa. Os olhares se cruzavam confusos, como se todos fossem vesgos. A indecisão do que fazer dividiu o grupo. Alguns queriam beber destilado outros fermentado. No fundo todos queriam o mesmo, mas no fundo mais fundo todos queriam esse mesmo de modo diferente.
A noite veio e quem me importava mais ficou. Gostei disso. Fumamos e bebemos. Também gostei disso. Porém algo estava fora do eixo. O presente parecia distante. Um encontro marcado para mais tarde me preocupava. Não queria ir. Queria ficar, mas não tinha coragem de desmarcar. A bebida subiu junto com a fumaça e acompanhando levantamos para ir para outro lugar. Ainda havia tempo para o encontro, mas sabia que a cada instante ele ia ficando mais longe. O tempo se aproximava, mas eu escolhi me afastar. Decidimos ir da savassi para o centro. Relutei, mas fui. Sem ir muito longe uma ligação resolveu meu conflito. Desmarco o encontro, ou melhor, o encontro é desmarcado. Me sinto mais leve, meus passos fluem.
Sinto a mão dela esbarrar na minha às vezes. Penso que alguém que sabe dançar tem consciência do seu corpo e sabe bem que mão não esbarra na dos outros sem querer. Penso que posso estar enganado. Penso que penso demais. Continuamos andando, mas não lembro de muita coisa. Lembro da mão dela esbarrar na minha. Disso eu lembro bem. Chegamos no maleta, mas logo seguimos para o viaduto Sta. Tereza. Lá fumamos mais e bebemos mais. Foi bom. Senti boas vibrações. A musica era estranha, mas combinava com o nosso momento. De repente acabou, ficou tarde, e não sei porque decidimos voltar pro maleta. Dessa vez com menos dois no grupo (que era de cinco).
Subimos para a varanda e bebemos cerveja no chão. A minha mão tocou seu pé. A minha mão tocou seu calcanhar. O Túlio foi pegar mais cerveja. A minha mão tocou o chão, mas meus lábios encontraram os dela. Nesse momento vieram tantas palavras na minha cabeça que parecia uma represa rompida deixando todo o fluxo de água passar de uma só vez. Eram tantas as palavras que elas iam se juntando antes mesmo de sair. Juntando, juntando, juntando, mas de um tanto que não conseguiam nem sair, pelo menos não como palavra. Foi acumulando tanta palavra e pensamento que o êxtase virou um bolo. O bolo eu parti um pedaço e dividi com ela, mas o resto deixei bem guardado no coração.
Eu não esperava. Ela é muito pra esse tão pouco que sou. Ou se não sou tão pouco, ela é muito mesmo assim. Mas mesmo assim, mesmo ela sendo muito e eu sendo tão pouco (nem tão pouco assim) eu me fiz de bobo e joguei meu blefe. O que ganhei por enquanto foi o êxtase, o que ficou foi o jogo, ainda começando.