quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Inusitado inevitável

Fim de tarde, saíamos do café depois de uma tarde de trabalho. Fumar era a desculpa. Os olhares se cruzavam confusos, como se todos fossem vesgos. A indecisão do que fazer dividiu o grupo. Alguns queriam beber destilado outros fermentado. No fundo todos queriam o mesmo, mas no fundo mais fundo todos queriam esse mesmo de modo diferente.

A noite veio e quem me importava mais ficou. Gostei disso. Fumamos e bebemos. Também gostei disso. Porém algo estava fora do eixo. O presente parecia distante. Um encontro marcado para mais tarde me preocupava. Não queria ir. Queria ficar, mas não tinha coragem de desmarcar. A bebida subiu junto com a fumaça e acompanhando levantamos para ir para outro lugar. Ainda havia tempo para o encontro, mas sabia que a cada instante ele ia ficando mais longe. O tempo se aproximava, mas eu escolhi me afastar. Decidimos ir da savassi para o centro. Relutei, mas fui. Sem ir muito longe uma ligação resolveu meu conflito. Desmarco o encontro, ou melhor, o encontro é desmarcado. Me sinto mais leve, meus passos fluem.

Sinto a mão dela esbarrar na minha às vezes. Penso que alguém que sabe dançar tem consciência do seu corpo e sabe bem que mão não esbarra na dos outros sem querer. Penso que posso estar enganado. Penso que penso demais. Continuamos andando, mas não lembro de muita coisa. Lembro da mão dela esbarrar na minha. Disso eu lembro bem. Chegamos no maleta, mas logo seguimos para o viaduto Sta. Tereza. Lá fumamos mais e bebemos mais. Foi bom. Senti boas vibrações. A musica era estranha, mas combinava com o nosso momento. De repente acabou, ficou tarde, e não sei porque decidimos voltar pro maleta. Dessa vez com menos dois no grupo (que era de cinco).

Subimos para a varanda e bebemos cerveja no chão. A minha mão tocou seu pé. A minha mão tocou seu calcanhar. O Túlio foi pegar mais cerveja. A minha mão tocou o chão, mas meus lábios encontraram os dela. Nesse momento vieram tantas palavras na minha cabeça que parecia uma represa rompida deixando todo o fluxo de água passar de uma só vez. Eram tantas as palavras que elas iam se juntando antes mesmo de sair. Juntando, juntando, juntando, mas de um tanto que não conseguiam nem sair, pelo menos não como palavra. Foi acumulando tanta palavra e pensamento que o êxtase virou um bolo. O bolo eu parti um pedaço e dividi com ela, mas o resto deixei bem guardado no coração.

Eu não esperava. Ela é muito pra esse tão pouco que sou. Ou se não sou tão pouco, ela é muito mesmo assim. Mas mesmo assim, mesmo ela sendo muito e eu sendo tão pouco (nem tão pouco assim) eu me fiz de bobo e joguei meu blefe. O que ganhei por enquanto foi o êxtase, o que ficou foi o jogo, ainda começando.

Prato do dia

Quando fui abraçá-la meu ombro bateu no seu queixo
Que burro que sou! Como sou tonto,
Agora aposto que ela não me quer mais.
Até parece que um dia ela me quis também..

No máximo o que ela sentia por mim era uma curiosidade gustativa.
Agora que ela sabe meu gosto não tem mais graça.
Eu sou só um prato novo que ela apreciou por dois dias
(é que ela ia esquecendo a sobremesa).
Ainda estou no cardápio, mas ela não vai me pedir mais,
Há muitos outros pra experimentar.
Talvez um dia ela até encontre seu prato favorito
E passe a pedir só ele,
Mas eu e ela sabemos que não serei eu.

Pra ser sincero eu até tentei mudar o tempero e
um ou outro ingrediente, mas nada disso adiantou.
A aparência mudou, mas o gosto ficou o mesmo.
Talvez eu devesse mudar é de gosto.
Só que aí eu não seria o mesmo prato,
logo eu também teria que mudar o nome.
Não quero mudar de nome, eu gosto dele,
ele diz quem eu sou
O problema é que quem eu sou ela não gosta
E eu gosto dela
É difícil essa vida de prato!

Ah! quer saber? (eu sei que não, mas finge que quer..)
Eu não quero mais ser prato! Quero é ser pessoa mesmo.
E ela que tente me provar de novo, não vai conseguir
Porque, a partir desse momento, não sou mais prato,
sou pessoa!
Vixi, mas tem um problema,
As pessoas batem seus ombros nos queixos de outras pessoas...
Saco!


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Louise, mais conhecida como Lou, entrava na casa de jardim colonial, palmeiras altas, fontes secas, grandiosidade meticulosamente desnecessária. O porteiro já mostra o papel, ela assina. Passa por um jardim interno, coberto de estátuas mortas. Chega numa encruzilhada que leva para o mesmo lugar. Escolhe com dificuldade um caminho. Chega ao pátio sem nome, está vazio. Percebe as folhas no chão e sente um nó no peito que a faz parar. Avista alguém e vai a seu encontro.
"Você é a doutora?"
"Sou sim, aonde eles estão?"
"Vem cá"
Lou o segue até o auditório. O senhor de uniforme azul com uma vassoura de folha de bananeira a deixa. Ela abre a porta de ferro antiga e seu ruído anuncia sua chegada. A aula é interrompida. Um senhor de roupa serena a frente de uma auditório miseravelmente preenchido se levanta e a chama pelo nome. Ela caminha sem jeito ainda tentando se situar naquele local obscuro. O professor a indica a cadeira ao lado dele. Ela se senta e ele logo pergunta, já sabendo a resposta:
"Doutora, você acha que existe cura para aqueles que moram aqui?"
"Não os conheço, professor. Por isso não saberia dizer com certeza, mas acredito que sim"
Uma gargalhada espontânea ecoa no grande salão. O professor, mal se contendo, tenta continuar sua exibição:
"Então quer dizer que você é datada desse mágico dom?"
Louise, ofendida e cansada, se levanta e anda de volta para a saída. Antes de alcançar a porta escuta, sem saber de onde vem, ecos que dizem:
"Lou cura".

como saber?

Se mentes sobre tudo, como saber?
Sementes férteis deixam de brotar
Sêmen te escorre sobre seu rosto (no entardecer)
Sem ente nos resta ser e sonhar